A aura religiosa de Lula

Juan Arias, correspondente do El País, fala da “aura religiosa de Lula”. “O presidente eleito da República do Brasil, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, será diferente em seu estilo de governar e os milhões de crentes que lhe deram seu voto, desde as famosas comunidades cristãs de base aos evangélicos, passando pelos seguidores, na Bahia, dos cultos africanos, vão exigir que ele não esconda sua fé. Lula já enviou sua primeira mensagem: não governará, disse ele, através da televisão, nem da solidão do Palácio do Planalto (provavelmente não morará na residência presidencial), mas da rua, em contato direto com o povo.
Durante a campanha eleitoral ele surpreendeu ao comparar-se ao próprio Jesus Cristo. Referia-se ao fato de o mundo do poder sempre lhe ter colocado obstáculos, enquanto os pobres o seguiam de perto, ‘como aconteceu com Jesus’, chegou a dizer.

E o certo é que certas elites começam a se preocupar com a forma desenvolta com que Lula está rompendo todos os protocolos para se aproximar das pessoas simples que o seguem em todos os seus passos. Já estão perguntando se um presidente não deveria desde agora se expor menos e aceitar a solidão que o cargo comporta.

Os primeiros gestos do novo presidente foram tão espetaculares que já o compararam com João XXIII, o Papa que, depois dos anos do hierático Pío XII, inabordável, instaurou no Vaticano um novo estilo de comportamento, escapando de seus apartamentos para ir visitar algum amigo doente e fazendo brincadeiras nas audiências até com as noviças.

Lula, logo depois de eleito presidente, foi cortar o cabelo na modesta barbearia de sempre em sua cidade. Enquanto cortava o cabelo, os amigos brincavam com ele e bebiam cerveja. Ao seu lado, sua mulher Marisa, que ainda garota trabalhou como empregada e já maior de idade, em uma fábrica de chocolates, fazia as unhas.

O novo presidente sabe muito bem que deve uma boa parte dos 60 milhões de votos recebidos ao grande mundo brasileiro da fé. O brasileiro é um povo religioso da cabeça aos pés. Aqui não existem intelectuais agnósticos, e menos ainda, ateus. Todos crêem em algo ou em muitas coisas ao mesmo tempo. As diversas igrejas podem ser conservadoras en matéria de dogma, mas abertas no campo social. São igrejas que trabalham com os mais pobres e famintos. As seitas evangélicas ‘roubam’ a cada ano mais de um milhão de fiéis dos católicos porque se colocaram mais perto dos mais pobres, sobretudo nas favelas das grandes cidades, enquanto os católicos se voltaram para a classe média.

As igrejas evangélicas contam com mais de quarenta deputados federais e estão presentes em todos os parlamentos estaduais. São, pois, além de uma imponente força religiosa, uma grande potência política, social e econômica.

A defesa dos mais necessitados sempre tem eco aqui nas organizações religiosas de qualquer tipo. Por isso, a famosa Igreja Universal do Reino de Deus não teve problemas através do Partido Liberal (PL) em apoiar a candidatura de Lula. Como não os teve toda a Igreja progressista católica, a da Teologia da Libertação ou a das comunidades cristãs de base. Nem sequer os seguidores do africano candomblé, que durante a campanha fizeram todos os rituais para proteger Lula.

Durante toda sua vida, Lula teve como conselheiro social e espiritual o famoso religioso filho da Teologia da Libertação Frei Betto, autor de mais de quarenta livros, que foi o primeiro religioso a se tornar amigo pessoal de Fidel Castro. Frei Betto esteve toda a campanha ao lado de Lula e revelou que o novo presidente foi crente toda sua vida, ‘como o são todos os pobres do país’.

Só conhecendo estes antecedentes se explica que a primeira grande decisão política de Lula tenha sido a chamada ‘Campanha da Fome Zero’. O novo presidente, minutos depois das urnas proclamarem sua vitória, já anunciava que o primeiro empenho de seu governo seria ‘acabar com a fome no Brasil’. Disse na televisão: ‘Ao fim de meus quatro anos como presidente me sentirei feliz se todos os brasileiros, sem exceção alguma, puderem comer três vezes ao dia’.

A quem lhe lembrou que no orçamento não existe dinheiro para dar de comer aos mais de trinta milhões de brasileiros que passam fome, respondeu: ‘Tirarei o dinheiro de onde for’. Os cálculos mostram que precisará de cinco bilhões de dólares para tornar seu sonho possível. Desde o Banco Mundial até a ONU e a FAO ofereceram seu apoio a Lula para sua campanha Fome Zero. Ele conta também com a ajuda do mundo empresarial, que tem todo o interesse em que esses 30 ou 40 milhões de marginalizados entrem enfim no mundo do consumo e do trabalho, fazendo crescer a econimia do país.

Os pobres do Brasil têm a clara sensação de que pela primeira vez chegou à presidência um deles, um do povo, que passou fome na vida e que não pôde estudar. Leonardo Boff, o padre da Teologia da Libertação do Brasil, o ex-franciscano amado pelos mais pobres, publicou no Jornal do Brasil uma carta aberta a Lula, emblemática do que se espera do novo presidente. ‘Tu és o primeiro entre os presidentes deste país que tem a cara do povo’, diz o teólogo, e acrescenta: ‘Tu chegas do mundo da dor e levas em teu corpo a tragédia e a esperança do povo brasileiro. Essa esperança foi sempre derrotada, mas não vencida’. Boff recorda em sua carta que desta vez o Brasil tem um presidente que não só governa ‘para’ o povo, mas ‘com’ o povo.

Boff acaba lembrando a Lula que o poder é a maior tentação, e que, como os grandes homens que mudaram a História, desde Gandhi a Francisco de Assis, a única coisa que lhes limitou o poder foi ‘a ternura do coração’. Os grandes artistas deste país concordam em que a força que emana de Lula, que lhe permite quebrar protocolos e implantar uma forma nova de governar, é precisamente esse carisma. É isso que o torna tão atraente à gente simples que, assim como acontecia com João XXIII, quer tocá-lo e até acariciá-lo”.

Autor: Equipe da Global Press – www.globalpress.com.br

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