É interessante nosso comportamento de espanto diante da morte mesmo quando ela é a coisa mais certa neste mundo. A morte de Brizola no último dia 21 de junho é uma prova disto. Até os rivais e antigos desafetos políticos ficaram chocados com a notícia. Com 82 anos de idade, Brizola viveu acima da expectativa de vida da maioria dos brasileiros. Mesmo assim foi uma surpresa para todos, não só porque morreu um homem importante, mas pela própria notícia da morte em si.
É por isto todo este respeito, esta reverência, e porque não dizer, este medo. Afinal, com a morte acabam-se ideais políticos, ambições pessoais e coletivas, projetos, sonhos, metas. Brizola pode ter deixado o exemplo de um homem persistente, corajoso, vigoroso. Mas agora a vida dele está na história, nas fotos, na lápide de um túmulo.
Morei cinco anos em São Borja no início de meu ministério pastoral. Lá estão enterrados Getúlio Vargas e João Goularte, lugar onde o corpo de Leonel Brizola também foi sepultado. Sempre ficava muito impressionado diante do túmulo destes ex-presidentes, isto pela grandiosidade histórica de tais personagens tão conhecidos nos livros. Mas o que sempre me chamava atenção quando ia ao cemitério para ser cicerone de parentes e amigos, era a expressão de espanto das pessoas. Especialmente os contemporâneos de Getúlio e Jango que confessavam um sentimento meio esquisito que fazia arrepiar o coro. Quem sabe a explicação disto estivesse nas palavras bíblicas de Eclesiastes 2.16: “Ninguém se lembra para sempre dos sábios, como ninguém se lembra dos tolos. No futuro todos nós seremos esquecidos. Todos morreremos, tanto os sábios como os tolos”. Afinal, ali estavam os corpos de pessoas que agitaram e moveram multidões, mas agora esquecidas num lugar triste e desolador.
As pessoas importantes como Brizola podem até ser lembradas nos documentos da história, nos discursos políticos, nas homenagens, nos exemplos. Mas são esquecidas em meio à realidade da vida, agitação, preocupação, sobrevivência, competição, luta. Ficam à parte nas horas de alegria, diversão, descontração. Enfim, como se diz, a vida continua.
Mas a morte também continua. Por isto, quando lemos no livro sagrado que “tudo é ilusão, é como correr atrás do vento” (Eclesiastes 2.26), então aí pode estar a explicação de tanto espanto e comoção com a morte de Brizola. Porque depois de tanto correr e lutar por um ideal coletivo, sua trajetória pessoal acaba numa sepultura. E nesta hora ninguém está ali para ajudá-lo.
A notícia da morte de Brizola, na verdade, espanta a todos porque ela confirma o que cada um já sabe de si mesmo mas que tenta esquecer. Seria a última notícia conforme as primeiras páginas dos jornais se não estivesse lá na Bíblia: “Mas a verdade é que Cristo ressuscitou, e isso é a garantia de que os que estão mortos também ressuscitarão” (1 Coríntios 15.20).
É por isto que nesta hora derradeira e solitária, quando ninguém pode ajudar, permanece apenas a fé naquele que é o Senhor da vida e da morte. E mesmo com o espanto, pode-se então dizer: Deus me livrou da morte, fez parar as lágrimas e me salvou do fracasso” (Salmo 116.8)
Autor: Pr. Marcos – marsch@terra.com.br