Luciana Gimenez tem lá as suas qualidades e uma delas, é preciso reconhecer, é não saber fingir. Ela ficou visivelmente incomodada com a pastora Ana Carolina, uma garotinha carioca de 8 anos de idade que ganha a vida pregando. Convidada do ‘Superpop’ da última quarta-feira, a menina deve emocionar os evangélicos, mas causa um desconforto em quem não partilha dessa crença.
A sensação é de se estar sendo transportado para um mundo onde não cabem conceituados estudos sobre educação infantil. Luciana fazia perguntas básicas sobre bichinhos de estimação, o que ela fazia nos fins de semana ou se quando crescesse ia poder namorar como qualquer garota.
As respostas saem prontas, em bom português, mas em nenhum momento se tem a sensação de estar diante de uma criança. O corpo é de criança, a forma de se expressar, de um adulto muito bem catequisado. Segundo o pai da menina, um policial militar que concilia este trabalho com o de pastor evangélico, a garota ficou muito doente com dois anos de idade e a família, sem recursos financeiros, praticou a “cura espiritual”, através de orações. Diz ele que um milagre aconteceu e, depois deste “encontro” da menina com Deus, ela começou a pregação.
Os fins de semana de Ana Carolina são gastos em viagens para pregar. Quando isto não acontece, está na igreja. Lê a Bíblia diversas vezes por dia, ajoelhada em seu quarto e chora. É o pai que conta: “Ela chora porque está em comunhão com Deus, chora de emoção.” Bichinhos de estimação, não tem e, quanto a namorar, ela não hesita: “Quando eu crescer, Deus há de reservar para mim um varão.” Mas Luciana hesitou: “Um varão?!” “É, um homem forte, evangélico como eu.” Luciana, entre dentes, sussurou: “Tomara que reserve um varão pra mim também.”
Para os que crêem, deve ser empolgante. Para quem tenta entender racionalmente o que se passa com aquela criança, é muito estranho. Citando um trecho da Bíblia, a garota disse que ao pai é dado o direito de bater com vara nos filhos para corrigir seus erros. Luciana quis saber se ela já havia apanhado.
“Eu prefiro não falar sobre isso para não causar polêmica.”
Existe em algum lugar criança que se expresse dessa maneira diante deste fato? Luciana ficou mais impressionada ainda e chamou o pai da menina ao palco. Tentou tirar dele a resposta. Confirmou que já havia batido com uma vara “nas perninhas” dela, porque se afastara demais de casa com uma amiguinha. “Mas foi a única vez.”
Luciana desistiu de conversar com ela como se fala com uma criança e perguntou pelo dízimo que as igrejas evangélicas cobram. A garota não só aprova como paga com prazer, mesmo não sabendo para onde vai o dinheiro.
A entrevista chegou ao final, a garota entregou os 3 CDs de pregações que já gravou e deixou dois números de telefone para contato. Luciana se despediu sem beijinhos. Foi educada, mas sua expressão era de quem não gostou do que ouviu. Ou ficou perplexa. Se tudo aquilo é para o bem, é melhor as pessoas começarem a buscar lá no íntimo as razões da estranheza, porque fica no ar a impressão de que ouvir Ana Carolina é como estar diante de um triste bichinho adestrado.
Fonte:
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Autor: MARIA AMÉLIA ROCHA LOPES Jornal da Tarde