Essa coisa que se vende em quase toda esquina

Tomara que essa idéia de fechamento de bar não desperte o espírito de nenhum Al Capone, aquele gângster que empreendeu, durante a lei seca norte-americana, uma das mais violentas fases da história urbana dos Estados Unidos

É impressionante a criatividade de alguns quando buscam soluções e justificativas para se combater a disseminação da violência nossa de cada dia. “Mardita” cachaça é esta, que o deputado pastor (ou pastor deputado) do PL, Mardoqueu Bodano, quer impedir a venda de bebida alcoólica na noite destas nossas províncias sergipanas. A proposta, que pode virar um projeto de lei, é a de que os bares fechem suas portas a partir das 23 horas e só reabram às 6 horas.

O deputado tem razão. Não precisamos de bebida alcoólica, esta que nos remete a um estado de consciência alterada, no qual nos sentimos ilusoriamente alegres, de bem com a vida, despertados em um otimismo sem fundamento.

Não precisamos da bebida, nem dos bares, para o consumo da ilusão. Já temos as igrejas. Sim, as igrejas. Elas são ótimas substitutas para os botecos. E estão por aí, como estão os bares, em quase todas as esquinas, com suas portas abertas, seus banquinhos disponíveis, e com várias vantagens para os seus clientes, quero dizer, fieis, com relação àqueles locais etílicos onde se propagam assuntos que só vão fazer o indivíduo se distanciar do Reino de Deus

Sejamos coerentes, os dois tipos de estabelecimentos – bares e igrejas – são muito parecidos, mas, insisto, as igrejas oferecem mais vantagens aos seus clientes, quero dizer, fieis (errei novamente, desculpem). Em primeiro lugar, nas igrejas você não paga a conta toda, só os 10 por cento, a não ser que alguém se entusiasme, como acontece por aí, e saia doando todo o dinheiro, o carro, a casa e o periquito. A igreja aceita todas as ofertas, mas não deixa o clie…(ops, quase), o fiel na mão. Em troca, o doador receberá um espaço territorial no céu, garantido e sem IPTU.

Outra vantagem: na igreja você não precisa ter idéias nem dialogar, e, consequentemente, não há de suportar conversa chata de bêbado (como esta minha agora). A idéia já está prontinha, e é divulgada, em monólogo, por um homem bem vestido e bastante sóbrio (os senhores nem imaginam quão sóbrio este homem é). Basta que você levante as mãos e grite (como se Deus fosse surdo) palavras de ordem religiosa.

Além do mais, o homem de fé, simpatizante e freqüentador assíduo das igrejas poderá colaborar na construção de novos espaços de sermão, novos templos, os quais são, muitas vezes, prédios monumentais, maravilhosos, e construídos onde existiam prédios velhos, carcomidos pelo tempo, destes que organizações preocupadas com a cultura querem tombar com o pretexto de preservar o patrimônio histórico. Que gente que não tem o que fazer! Eu, hein! Estes intelectuais de meia tigela não sabem nada, nem que na Inglaterra os pubs fecham à meia noite. E a rainha não bebe.

Então, senhores… embriagues por embriagues, vamos às igrejas. Fechemos os bares. Deixemos de beber. Rezar não dá mau hálito. A violência é uma questão de cachaça. A ignorância é uma ressaca sem náuseas. Zé, o dono do bar, pode ser seu amigo, mas não é Deus. E não tenho dúvidas: um homem que é deputado e pastor, é claro, sabe “mar do queu”.

Antes de terminar, peço licença. Quero, impetuosamente, solicitar desculpas de alguns dos meus amigos pelo que exponho neste meu artigo anti-etílico. São eles Álvaro Muller, Djenal Filho, João Augusto, Paulo Lobo, Cleomar Brandi, Clínio, Jorjão, Dalvo, José Menezes, Etevaldo Dórea, Marta, Carla, Bia, Alaíde, Peruca, Carlos Henrique, Guga Montalvão, Ricardo Monteiro, Pipoca, Ismar Barreto, Zequinha, Samuca, Patrícia, e tantos outros, que não se sintam excluídos e me perdoem. Sei que traí a todos, apreciadores e defensores do líquido da ilusão. Foi sem querer.

Quero também ser perdoado pela comunidade religiosa, caso eu tenha citado o nome de Deus sem uma nobre justificativa. Não é prática das igrejas citarem o nome do Divino em vão, e isto é fácil de se concluir. Basta lembrar das imagens de representantes do Reino Dele saírem de estádios de futebol carregando sacos de dinheiro nas costas. Neste caso a palavra não foi em vão.

Só mais uma coisa. Tomara que essa idéia de fechamento de bar não desperte o espírito de nenhum Al Capone, aquele gângster que empreendeu, durante a lei seca norte-americana, uma das mais violentas fases da história urbana dos Estados Unidos.

Para aliviar, a letra de uma música de Gilberto Gil e Jorge Mautner, gravada no CD “Eu Não Peço Desculpas”, por Mautner e Caetano Veloso.

Coisa Assassina

Se tá tudo dominado pelo amor
Então vai tudo bem, agora
Se tá tudo dominado, quer dizer, drogado
Então vai tudo pro além
Antes da hora, antes da hora

Maldita seja essa coisa assassina
Que se vende em quase toda esquina
E que passa por crença, ideologia, cultura, esporte
E no entanto é só doença, monotonia da loucura, e morte
Monotonia da loucura e morte

Será que essa letra fala de cachaça, ou de religião?

Autor: http://www.cinform.com.br/cinform.php?var=1145975066

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