Ex-candidato à presidência defende que PSB fique fora de uma possível administração petista
Derrotado para a Presidência da República, mas dono de invejáveis 15.175.822 votos em todo o país, Anthony Matheus Garotinho deixa em seu lugar, no governo do Estado do Rio de Janeiro a mulher, Rosinha Garotinho, com 51,3% dos votos válidos. E encaminha a filha Clarissa nos passos de uma família unida no sincretismo entre religião e política. Em mais de uma hora de conversa, ele falou basicamente de política. Mas não se esqueceu de praticar um de seus assuntos favoritos, ao recitar – de cor – algumas passagens da Bíblia Sagrada.
Evangélico da Igreja Presbiteriana Betânia, o filho do advogado Hélio Montezano de Oliveira e da dona-de-casa Samira Matheus, natural de Campos, aos 42 anos, continua com alguns quilos acima do peso, ganhos durante os meses de campanha política. Na aparência, Garotinho ainda faz jus ao apelido que ganhou no berço, Bolinha, mais tarde substituído pelo atual, quando já iniciava a carreira de radialista ainda no Norte Fluminense. Mas a experiência política, hoje, não se compara ao tempo em que militava na juventude comunista.
Semblante mais tranqüilo do que no último debate, quando, segundo ele, fez com que o adversário José Serra perdesse ‘as eleições naquele momento’, Garotinho prepara-se para um tempo de semear novos horizontes. Sem emprego público, o ex-governador fluminense se dedicará a pregar o socialismo nos dias úteis e, aos domingos, ensinar a palavra de Deus. O futuro, para o ex-candidato a presidente, passa longe de uma possível corrida à Prefeitura do Rio ou – como muito se comenta nos meios políticos cariocas – a um alto cargo, provavelmente a direção da Petrobras no governo Lula, se o petista vencer as eleições presidenciais, hoje, nas urnas de todo o país.
– Garotinho, que mapa foi desenhado nestas eleições, tanto para o Brasil quanto para o senhor?
– O brasileiro mandou, nas urnas, um recado. Ele não está satisfeito com esse projeto neoliberal implantado no Brasil pela era Fernando Henrique Cardoso, sob o comando do PSDB. Disse, claramente, que não permitirá mais que o país seja transformado num cassino, onde os banqueiros ganharam dinheiro em detrimento do setor produtivo, da indústria, do comércio, da agricultura, do cidadão comum. E também mandou um recado dizendo que não tolerará traições.
– O senhor acha que essas traições podem acontecer?
– Sinceramente, eu desejo que não. Afinal, meu voto será para Lula. Nosso trabalho tem sido para ele. Mas só o tempo poderá resolver as ambigüidades da aliança montada em torno da candidatura de Lula. Governar é uma ciência muito complexa, porque é impossível agradar a todos. Quando Lula tiver que tomar uma decisão, como por exemplo, aumentar os gastos na área social e o seu ministro da Fazenda disser ‘você não pode porque assumiu um compromisso com o Fundo Monetário Internacional, de manter o superávit primário’, é aí que eu quero ver como ele irá se comportar.
– Na sua opinião, como ele agiria?
– Não sei. Vou votar nele crendo ele terá a habilidade de, lentamente, se desfazer dessas alianças que podem deixá-lo imobilizado e causar uma grande frustração na população. A minha tese, no PSB, é que nós devemos dar apoio agora na campanha, mas não participar do governo. Esta é a melhor fórmula para apoiarmos tudo o que Lula enviar ao Congresso, que esteja de acordo com aquilo que nós compreendemos ser importante para o Brasil.
– O senhor não considera importante participar do governo e ajudar o presidente a governar?
– Não, porque quem participa do governo se sente obrigado a votar em todas as mensagens do governo. É governo ou não é governo. Não podemos ter uma posição dúbia. E aquilo que o Lula, porventura por alguma pressão destes setores que o apóiam, vier a apresentar contra o projeto nacional do PSB, nós poderemos votar contra. Nosso apoio é sem interesse. Nosso apoio é ao Brasil e sem condicionantes. Não apoiamos se ele fizer isso ou aquilo. De jeito nenhum. Vou defender essa minha posição de independência dentro do PSB. Se eu for derrotado e o meu partido quiser ir para o governo, eu não vou. Obedeço o partido, continuo no partido, mas não me disponho a ocupar nenhum cargo, nenhum ministério ou a presidência de alguma estatal.
– E o que o senhor vai fazer ao longo dos próximos quatro anos?
– Eu prefiro estar livre para cumprir a tarefa de reconstruir o Partido Socialista Brasileiro, em nível nacional, dirigindo a Fundação de Estudos Políticos João Mangabeira.
– Mas indicaria alguns de seus partidários para cargos no possível governo de Lula, caso o PSB decidisse participar da próxima administração federal?
– Bem, se vou defender que o partido não vá para o governo, será uma contradição da minha parte amanhã, se o partido decidir fazer parte do governo eu indicar nomes.
– Mas nem se fosse uma simples consulta? Afinal o senhor e o Lula se dão bem, têm a liberdade para pegar o telefone e falar um com o outro, discutir assuntos pertinentes ao desenvolvimento do país…
– Sem nenhum problema. Mas sem qualquer tipo de interferência direta. Posso conversar com ele, com quem me dou muito bem. Sou amigo pessoal do Lula, mas quero deixar claro que a nossa postura será de independência.
– Como fica o seu relacionamento com o PT do Rio de Janeiro, já tão conturbado durante a campanha, após estas eleições?
– Agora está ficando claro para a opinião pública, passado o período eleitoral, com o fim da politização das questões, que o governo do PT no Rio de Janeiro foi um fracasso total. Eu entreguei o governo à senhora Benedita da Silva, no dia 5 de abril, com o pagamento dos funcionários depositado em conta. Pela previsão que está se fazendo, ela vai deixar dois meses de salários atrasados. O 13º e o de dezembro, que é pago até o dia 10 de janeiro.
– Qual será, na sua opinião, o grande desafio que sua esposa encontrará na gestão do Estado do Rio?
– Será, sem dúvida, remontar o sistema de segurança que dê paz. O relacionamento com o PT do Rio não era bom e ficou pior ainda, em função da campanha de ódio e mentira que desenvolveram para o governo do Estado. Por isso foram derrotados nas urnas.
– Qual será a sua participação no governo do Estado? Como isso vai acontecer?
– Não vai acontecer. Eu vou me dedicar à Fundação João Mangabeira, que é o centro de estudos econômicos, políticos e sociais do PSB.
– Já houve alguma sondagem para que o senhor deixe o PSB?
– De jeito nenhum. Continuo no partido e vou me dedicar a produzir documentos para nossos quadros partidários, fazer análises da conjuntura nacional e preparar o partido para as eleições de 2004. Nós já tomamos a decisão, que será referendada na próxima reunião da Executiva Nacional, de ter candidatos a prefeito em todas as capitais do país e pelo menos das 200 maiores cidades brasileiras além das capitais. É uma decisão que tomamos já visando as eleições de 2006.
– O senhor será candidato novamente à Presidência em 2006?
– Isso é o tempo que vai dizer. Se for para servir ao meu país, por que não?
– Embora tenha dito que não vai participar do governo do Estado, é notório o seu interesse nas questões administrativas. Além do fato de o senhor dormir com a governadora. Como é isso?
– Posso aconselhá-la em algumas questões, mas a decisão é dela.
– O senhor vai aconselhá-la em muitas questões, então…
– Sim. Eu acho que pela minha experiência como prefeito duas vezes e governador do Estado.
– Quem vai governar? O senhor ou ela?
– A governadora é Rosinha. A responsabilidade é dela. E tenho certeza que ela será uma brilhante governadora.
– A sua filha será candidata?
– Ela está impedida pela lei. Não pode ser candidata a nada. A não ser a presidente da República, pois no âmbito estadual, não pode se candidatar a nenhum cargo público. Mas o importante não é que ela seja candidata. Eleição não é a única forma de fazer política. Ela deve ter um papel muito importante agora, no fortalecimento da Juventude Socialista do PSB, em nível nacional. Ela está com todo o gás e vai me ajudar muito.
– O que achou do resultado das urnas?
– Diante das circunstâncias, foi um resultado muito bom. Eu fiz talvez a campanha, de longe, mais pobre de todos os candidatos. A minha prestação de contas não vai chegar a R$ 3,5 milhões, quantia que muito deputado federal gastou na campanha, com a situação precária que o PSB tem no país e um tempo de TV minúsculo, ter 15 milhões de votos significou muito para o partido socialista.
– Que ideologia é essa? O senhor se considera socialista?
– Sempre fui um socialista. Se você ver a minha história, pertenci a três partidos. Fui fundador do PT onde fiquei até 83. Me desliguei. Fui para o PDT, fiquei 18 anos e depois me filiei ao PSB.
– E como ficam os evangélicos, que na sua maioria são políticos de direita?
– Não existe isso. A interpretação da Bíblia mostra um Cristo contra o poder estabelecido da época. Cristo veio para fazer justiça aos pobres. A ideologia d’Ele era de repartir o pão. Ele foi contra o Império Romano…
– Mas lhe chamam de populista…
– Isso é preconceito de intelectual que nunca conversou comigo.
Autor: Gilberto de Souza – http://jbonline.terra.com.br