Polêmica à parte, o filme de Mel Gibson tem colocado a cruz de Cristo no centro das atenções. Teólogos, pastores, padres, cristãos estão sendo entrevistados, não para opinar sobre política, justiça social, sexualidade, mas para falar sobre o sofrimento de Jesus. Isto é fantástico para o testemunho da doutrina principal da fé cristã. Quando afirmei no artigo anterior que tinha lá minhas dúvidas se a violência no filme era uma boa estratégia para fazer aquilo que Gibson havia declarado, “mostrar a dimensão do martírio a que Cristo foi submetido para redimir a humanidade de seus pecados”, comentei isto motivado por preconceitos. Mas depois de ver “A Paixão de Cristo” e conhecer alguns detalhes que inspiraram esta superprodução cinematográfica, preciso confessar que ao menos em mim o diretor do filme conseguiu intensificar a reflexão sobre o assunto.
Na verdade o filme não traz nada de novo mas apenas interpreta de maneira convincente, através de sofisticados efeitos tecnológicos (e humanos), uma produção divina, poderosa e muito antiga. Dizem que há dez anos Gibson vinha pensando no filme. Enquanto isto a cruz já estava lá, planejada no Éden logo após a descoberta da violência, quando Deus disse à serpente: “você picará o calcanhar da descendência dela” (Gênesis 3.15). E depois sendo anunciada com o poder que tem em si mesma. Poder descrito nas palavras do apóstolo: “Porém, Cristo, tornando-se maldição por nós, nos livrou na maldição imposta pela Lei. Como dizem as Escrituras: maldito todo aquele que for pendurado numa cruz” (Gálatas 3.13). Se o filme está expondo esta maldição que virou bênção “onde Cristo foi oferecido uma só vez em sacrifício, para tirar os pecados de muitas pessoas” (Hebreus 9.28), então pouco importa as intenções do filme, nossas discussões e tudo mais.
Sem dúvida o filme é extremamente violento. Gibson consegue de maneira chocante colocar na tela aquele Jesus “tão desfigurado que nem parecia um ser humano” (Isaías 52.14). Quando o Salvador balbucia em extremo esforço “está consumado” e morre, há um sentimento de alívio em todos, como que dizendo: “que bom, eu já não agüentava mais ver tudo isto”. Sim, tem que ter estômago pra ver este filme. Mas, ao contrário do que esperava ver, junto com cada blasfêmia, injustiça, soco, chicotada, martelada, lá sempre estavam as palavras de Jesus: “porque Deus mandou o seu Filho para salvar o mundo e não para julgá-lo” (João 3.17).
Pois no próximo Domingo estaremos festejando a cruz vazia. Mas antes teremos que passar pela Sexta-Feira Santa, quando a cruz ainda estará ocupada. É a mesma visão quando entramos pela porta principal de nossos templos (aqueles que preservam os costumes litúrgicos da igreja cristã primitiva). Vemos duas cruzes. Sobre o altar está o crucifixo, onde expõe a imagem do Cristo pregado. Atrás do altar está a cruz vazia, marcando a ressurreição de Jesus. Isto nos remete para a perspectiva da fé cristã, a mesma lembrada pelo apóstolo: “Porque, quando vocês foram batizados, foram enterrados com Cristo. No batismo vocês foram também ressuscitados com ele, por meio da fé que têm no grande poder de Deus” (Colossenses 2.12).
No final de tudo, por mais difícil que seja contemplar o Cristo desfigurado, seja na tela da imaginação humana ou no próprio crucifixo, tudo precisa se transformar numa boa e surpreendente notícia. É o final feliz do filme, algo que a própria Bíblia já tinha revelado, estragando assim a surpresa da história divina. Ou como predisse o profeta, “depois de tanto sofrimento ele será feliz; por causa da sua dedicação ele ficará completamente satisfeito” (Isaías 53.11).
Autor: Pastor Marcos Schmidt – marsch@terra.com.br