Durante a guerra americana fui eu cirurgião no exército dos Estados Unidos.
Depois da batalha de Gettysburg houve centenas de feridos no meu hospital, entre os quais vinte e oito tão gravemente feridos que precisavam dos meus imediatos serviços, para pernas a uns, braços a outros, e pernas e braços a alguns.
Um destes estava ao serviço militar havia três meses, e como era ainda muito novo para soldado, alistara-se para tambor.
Quando um dos meus ajudantes e um enfermeiro quiseram dar o clorofórmio antes da operação, virou a cabeça para o lado e recusou-se terminantemente a toma-lo.
Quando lhe disseram que eram as ordens do médico, respondeu: – Mandem-me cá o médico! Ao chegar ao pé dele perguntei-lhe: Então, meu rapaz, por que te recusas a tomar o clorofórmio? Quando te encontrei no campo de batalha estavas tão mal que julguei quase inútil trazer-te para cá, mas quando abriu esses grandes olhos azuis, pensei que talvez tivéssemos, por este mundo afora, uma mãe que se estivesse lembrando do seu rapaz naquele momento. Não quisesse que este morresse no campo, por isso ordenei que te trouxessem para cá.
Tens perdido tanto sangue e está tão fraco que não poderás sofrer a operação sem o clorofórmio, portanto é melhor que me deixe dá-lo.Ele pôs a mão na minha e fitando-me disse:
Senhor doutor, um domingo de tarde, na escola dominical quando tinha apenas nove anos e meio de idade, dei meu coração a Jesus.
Aprendi nesse momento a confiar nEle, desde então o tenho feito sempre, e sei que posso também confiar nEle agora.
Cristo é a minha força e o meu estímulo, e há de suster-me enquanto estiverem a amputar-me a perna e o braço.
Pedi então licença para lhe dar uma pinga de aguardente. Tornou a olhar para mim, e disse: Doutor, quando eu tinha apenas cinco anos, minha mãe ajoelhou-se ao meu lado com o braço em volta do meu pescoço e disse-me: Meu Carlos, estou agora orando a Jesus que nunca conheças o gosto das bebidas alcoólicas, teu pai era dado ao vinho e disso morreu, e prometi a Deus, se fosse da Sua vontade que vivesses, que havias de adverter outros jovens contra esse vício.
Hoje, tenho dezessete anos e nunca tomei bebida mais forte do o chá ou café, e como provavelmente estou preste a comparecer na presença de Deus, queres o Sr. Doutor que eu morra cheirando a aguardente?
Nunca poderei esquecer-me do modo como aquele rapaz olhou para mim. Nesse tempo, eu odiava Jesus, mas respeitei a lealdade daquele jovem para com o seu Salvador e, quando vi como ele amava e confiava no seu Senhor até o fim, senti-me comovido, e fiz por aquele rapaz o que nunca fizera por nenhum outro soldado: perguntei-lhe se queria ver um capelão evangélico. Oh, sim senhor, respondeu.
Mandei chamar o senhor R**. Quando chegou conheceu logo o rapaz por o ter encontrado muitas vezes nas reuniões campais de oração, e tomando-lhe a mão disse: Carlinhos tenho muita pena de te ver neste triste estado.
Oh, não se aflija, senhor, respondeu. O doutor ofereceu-me clorofórmio, mas recusei-o, depois quis dar-me aguardente, também recusei, se agora meu Salvador me chamar, quero ir para Ele em perfeito juízo.
Talvez não morras, Carlos, disse-lhe o Sr. R**, mas se for a vontade de Deus chamar-te a Si, queres que te faça qualquer coisa depois da tua partida?
Peço-lhe que faça o favor de meter a mão debaixo do travesseiro, e tirar a minha Bíblia, nela encontrará o endereço da minha mãe, faça o favor de lhe mandar a Bíblia, e uma carta informando-a que desde que saí de casa nunca se passou um dia sem eu ler uma porção da Palavra de Deus, orando diariamente, quer em marcha, quer no campo de batalha, quer no hospital, para que Deus abençoasse a minha querida mãe.
Que mais poderei fazer por ti, meu rapaz? Perguntou o Sr. R**.
Faça o favor de também escrever uma carta ao superintendente da escola dominical evangélica de Sands Street, Brooklyn, N. Y. , e comunicar-lhe que nunca esqueci as suas bondosas palavras, as muitas orações e os bons conselhos que me deu, têm-me seguido em todos os perigos da batalha e agora, à hora da minha morte, peço ao meu amado Salvador que abençoe o meu querido superintendente, eis tudo quanto eu desejo.
Depois voltando-se para mim, disse: Agora, doutor estou pronto, e prometo-lhe que nem sequer hei de gemer enquanto cortar o braço e a perna, mas não me dê clorofórmio.
Prometi, mas não tive coragem de pegar o bisturi e operar sem primeiro ir tomar um estimulante a fim de dar ânimo para essa tarefa.
Enquanto cortava a carne, Carlos Coulson nunca gemeu, mas quando peguei a serra para separar o osso, o rapaz pôs um canto da almofada na boca, e só ouvi murmurar as seguintes palavras: Jesus ó bendito Jesus, sê comigo agora. Ele cumpriu a sua promessa, e nunca gemeu.
Não pude dormir nessa noite, porque, para qualquer lado que virasse, via aqueles meigos olhos azuis, e quando fechava os meus olhos ainda me soavam aos ouvidos aquelas palavras: Oh, bendito Jesus, sê comigo agora.
Entre a meia noite e a uma hora levantei-me e visitei o hospital, coisa que nunca fazia a não ser que tivesse alguma chamada especial,tal era o meu desejo de ver aquele rapaz.
À minha chegada fui informado pelo enfermeiro que dezesseis dos que estavam em estado desesperador, morreram e foram levados para a morgue. Como está o Carlos Coulson, já morreu? Perguntei. Não senhor, respondeu o enfermeiro, está dormindo tão sossegadamente como uma criança.
Quando cheguei ao pé da cama onde ele jazia, disse-me uma das enfermeiras que pelas nove horas, tinham vindo ao hospital dois membros da União Cristã da Mocidade para ler alguns trechos da Bíblia e cantar um hino.
Eram acompanhados pelo sr. R**, que se ajoelhou ao pé da cama de Carlos Coulson, e ofereceu uma fervorosa e comovente oração depois do que cantaram, sempre de joelhos, o doce hino, Jesus, Amante da minha alma, acompanhados pelo Carlos. Eu não podia compreender como aquele rapaz, depois de ter sofrido dores tão atrozes, pudesse cantar.
Cinco dias depois da operação mandou-me chamar, e foi a ele que ouvi, naquele dia, as primeiras palavras sobre o Evangelho. Doutor, disse ele, a minha última hora está próxima, não espero tornar a ver raiar outro dia, mas graças a Deus, estou pronto a partir, mas antes de morrer desejo agradecer-lhe do íntimo do meu coração toda a sua bondade para comigo.
Doutor o senhor é judeu, não crê em Jesus, peço-lhe por favor que fique ao meu pé para me ver morrer, confiando no meu Salvador até o último momento da minha vida. Diligenciei ficar, mas não pude, faltou-me coragem para ver morrer um rapaz cristão, regozijando-se mo amor daquele Jesus que me tinham ensinado a odiar, por isso saí precipitadamente do quarto.
Uns vinte minutos mais tarde, um enfermeiro veio-me procurar no meu gabinete particular, e disse-me: Doutor, o Carlos Coulson deseja vê-lo. Acabei de vê-lo há pouco, respondi, e não tenho ânimo para voltar lá. Mas senhor doutor, ele diz que precisa falar-lhe antes de morrer.
Então resolvi voltar ao pé dele, a fim de lhe dar uma palavra afetuosa e deixa-lo, mas estava decidido a não me deixar influenciar por nenhuma das suas palavras, pelo menos no que dissesse respeito ao seu Jesus.
Quando entrei na enfermaria vi que estava por pouco, e sentei-me ao pé da cama. Pegando na minha mão disse: Doutor, gosto de ti por ser judeu, o melhor Amigo que encontrei neste mundo também era judeu.
Perguntei-lhe quem era e respondeu-me: Jesus Cristo a quem quero apresentar-lhe antes de morrer, e, prometa-me doutor, de nunca se esquecer daquilo que lhe vou dizer.
Eu prometi, e então ele disse: Há cinco dias, enquanto o doutor me estava cortando o braço e a perna, eu orava ao Senhor Jesus Cristo para que convertesse a sua alma.
Estas palavras penetraram no meu coração. Eu não podia compreender como, enquanto lhe estava causando a mais intensa dor, ele pudesse esquecer-se de tudo quanto lhe dizia respeito e pensar no seu Salvador e na minha alma por converter. Só lhe pude responder: Está bem, meu rapaz, em pouco tempo estarás descansando.
Com estas palavras deixei-o, e doze minutos depois tinham-se acabado os seus sofrimentos para sempre.
Centenas de soldados morreram no meu hospital durante a guerra, mas apenas acompanhei um deles à sepultura, e esse foi Carlos Coulson, o jovem tambor, e caminhei quatro quilômetros e meio no seu enterro. Mandei que lhe vestissem um uniforme novo, que o pusessem num caixão de oficial e o cobrissem com a bandeira dos Estados Unidos.
As palavras daquele querido morto fizeram uma profunda impressão no meu espírito.
Eu era rico naquele tempo, nas riquezas do mundo, mas teria dado todo meu dinheiro para que os meus sentimentos para com Cristo fossem iguais aos de Carlos, mas tais sentimentos não se compram com dinheiro.
Infelizmente bem depressa esqueci o seu o seu sermão, mas não pude esquecer o meu jovem soldado cristão. Agora sei que naquele tempo estava sob um profunda convicção de pecado, mas lutei contra Cristo com todo ódio de um judeu ortodoxo durante quase dez anos, até que finalmente a oração daquele querido rapaz foi ouvida, e Deus converteu a minha alma.
Uns dezoito meses depois da minha conversão fui a uma reunião de oração na minha cidade de Brooklyn. Era uma dessas reuniões em que os cristãos testemunham do amor e da misericórdia do seu Salvador.
Depois de vários terem falado, levantou-se uma senhora de idade que disse: Meus caros amigos, talvez seja esta a última vez que aqui tenha, o privilégio de testemunhar de Cristo. O médico disse-me ontem que quase não tenho pulmão direito e o esquerdo está afetado, por isso, pouco tempo poderei viver, mas o que me resta pertence a Jesus. Oh, é uma grande alegria saber que vou encontrar o meu filho no céu com Jesus.
Ele não só era soldado do seu país, como também o era de Cristo. Foi ferido na batalha de Gettysburg, e foi tratado por um médico judeu, que lhe amputou um braço e uma perna, mas morreu cinco dias depois da operação.
Um amigo mandou-me a Bíblia do meu filho e escreveu-me uma carta em que me dizia que o meu Carlos na sua hora derradeira mandara chamar esse médico e lhe dissera: Doutor, antes de morrer quero dizer-lhe que a cinco dias, enquanto me cortava o braço e a perna, eu orava ao Senhor Jesus Cristo para que convertesse a sua alma.
Quando ouvi o testemunho desta senhora, não pude mais me conter. Levantei-me, atravessei a sala, e tomando-a pela mão, disse: Deus a abençoe minha querida irmã: a oração do seu filho foi ouvida e respondida. Eu sou o médico judeu por quem o seu Carlos orou, e o seu Salvador é agora o meu Salvador.