No centro de um parque, havia um grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Abastecido continuamente por pequena cachoeira, suas águas escoavam, no lado oposto, através de uma grade muito estreita.
Muitos peixes habitavam este lago, despreocupados e preguiçosos…
Entre eles, contudo, havia um peixinho vermelho, menosprezado por todos.
Não conseguia pescar quaisquer larvas, nem refugiar-se em ninhos barrentos.
Era, por isto, visto sempre em correria constante, atormentado pela fome e também pelo desprezo dos demais.
Sozinho, começou a estudar o lago em que vivia, elaborando um inventário completo de todas as bordas e reentrâncias do mesmo.
Descobriu, assim, a pequena grade do escoadouro, e pensou: “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?”.
Decidiu-se a ir…
Apesar de magérrimo, devido às grandes privações que sofria, perdeu várias escamas ao atravessar a pequena passagem.
Seguiu, primeiramente por um pequeno regato, rodeado de flores e aromas diversos, encantado.
Em breve, alcançou caudaloso rio, onde conheceu muitos peixinhos que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da jornada e indicando-lhe os caminhos mais fáceis a seguir.
Habituado a viver com simplicidade, manteve sempre a leveza e a agilidade que lhe eram peculiares.
Chegou, por fim, ao oceano, e, ainda fascinado pela pesquisa e pelo estudo, aproximou-se demais de uma baleia, para quem toda a água do laguinho no qual nascera não representaria senão diminuto gole.
Descuidou-se, e acabou por ser tragado pelo enorme animal.
Aflito, o peixinho orou ao Deus, pedindo sua salvação, e eis que a baleia começa a soluçar, terminando por devolver nosso valente amiguinho à vida!
Agradecido e feliz, o peixinho prometeu evitar os perigos e as tentações do mundo, e passou a residir num belíssimo Palácio de Coral, juntamente com centenas de amigos que, como ele, eram muito estudiosos e delgados, e sentia-se maravilhosamente feliz com seus novos vizinhos.
Em suas reflexões, o peixinho percebeu que apenas havia segurança no oceano, de vez que era para lá que as águas corriam por último.
Mesmo nas piores estiagens, nunca haveria o oceano de secar.
Compadecido então, tomou a resolução de voltar ao seu laguinho de origem, no intuito de esclarecer seus antigos vizinhos.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? pensava ele.
Fortalecido por irmãos benfeitores que com ele habitavam o Palácio de Coral, empreendeu a longa viagem de retorno.
Alcançou o rio, rumou para o pequeno regato e finalmente deparou-se com a estreita grade que limitava o inibido lago.
Entrou, e procurou então por seus antigos companheiros. Julgava ele que seu esforço traria espanto e admiração por parte deles.
Entretanto, verificou, triste, que ninguém lhe dava atenção, todos continuavam gordos e ociosos, nem haviam notado sua ausência.
Persistente, o peixinho marcou uma audiência com o Rei dos Peixes, o Soberano local, que concedeu-lhe permissão para falar a todo o povo.
Embevecido com a oportunidade, explicou a todos que aquele laguinho era insignificante, que poderia desaparecer de um momento para outro.
Além do escoadouro, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, finalmente, o mar, incomparável por sua beleza.
Ofereceu-se a conduzir todos ao Palácio de Coral, mas que, para isso, teriam que abster-se de comer tanta larva, afim de emagrecer, e também teriam que aprender a trabalhar e estudar o quanto fosse necessário à jornada.
Terminado seu discurso, ouviu-se no local várias gargalhadas, e novos oradores surgiram, afirmando que o peixinho vermelho havia enlouquecido, que outra vida além daquela no lago era impossível.
O Soberano, afim de melhor ridicularizar o pobrezinho, dirigiu-se com o mesmo até o escoadouro, e verificando então que nem ao menos uma só de suas barbatanas seria capaz de atravessar a passagem, expulsou-o definitivamente da comunidade.
O peixinho retornou ao Palácio de Coral. Alguns anos mais tarde, abateu-se sobre a região uma terrível seca, as águas desceram de nível, e todos os vaidosos peixes do antigo laguinho pereceram no lamaçal.
Toque no Altar – “Deus do Impossível” | Letra e vídeo
Quando tudo diz que não Sua voz me encoraja a prosseguir Quando tudo diz que não Ou parece que o mar não vai se abrir