Evangélicos históricos rejeitam uso partidário da religião por pastores
[15 Outubro 00h37min]
A utilização da religião como instrumento de manipulação partidária é um dos fenômenos mais preocupantes da realidade política brasileira. No momento mesmo em que o Brasil alcança o mais alto estágio de sua evolução democrática, registra-se contraditoriamente um retrocesso a formas de expressão política que já se julgavam superadas pela História.
Há vários anos observa-se um crescente mal-estar na sociedade brasileira pela forma desinibida com que algumas igrejas evangélicas têm sido usadas como trampolim para o uso partidário da religião. Não se trata mais da manifestação de simpatia de algum pastor, em particular, por este ou aquele candidato ou, mesmo, partido, como se verificava com alguns padres engajados da Igreja Católica, tempos atrás, mas do compromisso público assumido por pastores e bispos de determinadas congregações evangélicas em nome de seu rebanho.
O mal-estar chegou a tal ponto entre os segmentos evangélicos históricos que a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), seção de São Paulo, divulgou, no último domingo, um documento em que denuncia essas práticas. ‘Não autorizamos ninguém a falar por nós. (…) Escolhemos em quem votar segundo nossas convicções e consciência. Não queremos nada em troca. Apenas que aqueles que escolhemos desempenhem suas funções com responsabilidade, justiça, honestidade, solidariedade’.
A manipulação da política partidária pelo confessionalismo religioso foi uma das práticas mais danosas à construção de sociedades livres e esclarecidas, no passado. A separação entre Igreja e Estado é um dos princípios fundamentais da modernidade e esteve na base de todas as lutas libertárias das sociedades ocidentais. Atualmente, a Igreja Católica, no Brasil, reconhece o quanto foi importante para a própria instituição essa separação determinada pela primeira Constituição republicana brasileira, em 1891. Dessa maneira, a Igreja pôde livrar-se de injunções que muitas vezes interferiam na sua missão evangelizadora.
Num primeiro momento, a reação contra a legislação republicana foi a de tentar clericalizar a política partidária, através de eleições de sacerdotes para as casas legislativas ou até para o Executivo. Em seguida, caiu na tentação de indicar candidatos ou partidos que os católicos tinham a obrigação de sufragar. Muitos ainda se lembram dessa prática equivocada introduzida em nosso Estado pela Liga Eleitoral Católica (LEC). Finalmente, isso se tornou coisa do passado, sobretudo, depois do Concílio Vaticano II.
A Igreja compreendeu que seu papel é, sobretudo, o de levar os leigos a fazerem da ética a referência central nos seus engajamentos políticos-partidários concretos. A explicitação na História da relação do crente com Deus é a relação com o próximo, traduzida na obrigação de criar uma sociedade fraterna, justa e pacífica, onde todos sejam incluídos.
Quando a instância religiosa e a partidária não se distinguem o resultado nunca é bom. Transforma-se num adubo fecundo para o crescimento dos fundamentalismos e para a difusão de todo tipo de preconceito contra os diferentes. A primeira vítima é o pluralismo. É o que se pode ver, por exemplo, em alguns países do Oriente em que a laicidade do Estado foi abandonada.
Usar o púlpito religioso para defender candidatos ou partidos, em particular, mesmo que sejam padres, pastores ou rabinos, manipulando os respectivos rebanhos religiosos, é um retrocesso lamentável que deve ser rejeitado pela sociedade brasileira. O Brasil quer avançar, não retroceder a práticas de um passado obscuro.
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Autor: Noolhar.com