Sexta-Feira da Paixão

Nunca deixei de sentir um certo desconforto em ver a minha igreja super lotada na Sexta-Feira Santa mas com freqüência normal nos outros cultos. Por isto minha insistência até meio chata diante de toda aquela gente que pouco aparecia na igreja: – “pessoal, não esqueçam de vir nos outros cultos celebrar a ressurreição de Jesus”. Gente parecida com o seu Carlos, membro da primeira congregação, aposentado e por isto companheiro de pescaria nas Segundas-feiras. Pois numa delas, véspera de Semana Santa, jogando conversa fora na beira d’água, lhe perguntei pela falta de um de seus dedos na mão direita. – “Olha pastor, vou lhe contar uma história bem interessante. Perdi este dedo numa Sexta-Feira Santa quando cortava madeira numa serra elétrica. Depois disto nunca mais deixei de participar dos cultos neste dia santo”.

Pois o “medo de perder os dedos” é um sentimento muito humano e natural perante este Deus que joga toda a sua incompreensível justiça no Cristo cravado na cruz. Um pavor que vem daquele escuro que cobriu toda a Terra por três horas, aquela escuridão infernal antes do grito “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste”. Algo que está lá no íntimo de todos, afinal aquele que morria na cruz era o único que não tinha nada a ver com a nossa maldita história. E pior, um inocente que “estava sofrendo por causa dos nossos pecados” (Isaías 53.5).

Todos têm culpa no cartório, disto ninguém escapa. Não só os judeus, o discípulo “traíra”, Pilatos. A malhação de Judas, a perseguição contra os judeus, ou mesmo colher marcela, comer peixe, este tipo de coisa pode ser uma maneira muito sutil de querer tirar o corpo fora. Mas não adianta, “todos pecaram e estão afastados da presença gloriosa de Deus” (Romanos 3.23). Por isto o seu Carlos tinha razão em nunca mais deixar de ir aos cultos na Sexta-Feira Santa. Afinal, ele não queria perder os outros dedos.

Assim, quando vejo a minha igreja apinhada de gente neste dia, fico logo pensando na história de seu Carlos. Imaginando mãos sem dedos. E logo olho as minhas para ver se não falta nenhum. Afinal, é um dia santo e uma voz inoportuna fica alertando: “pare aí e tire as sandálias, pois o lugar onde você está é um lugar sagrado” (Êxodo 3.5).

Mas de maneira surpreendente logo surge outra voz que salva os dedos e muito mais: “por meio da morte de Jesus na cruz nós temos completa liberdade … por meio do seu próprio corpo, ele nos abriu um caminho novo e vivo … Portanto, cheguemos perto de Deus com um coração sincero e uma fé firme, com a consciência limpa das nossas culpas…” (Hebreus 10.19, 22).

Foi isto que o seu Carlos ouviu. É isto que também ouvimos. Palavras que estão lá e que ninguém pode tirar: “Vocês não chegaram, como o povo de Israel chegou, para perto de alguma coisa que se pode tocar, como o monte Sinai com seu fogo abrasador, a escuridão e as trevas … Ao contrário, vocês chegaram ao monte Sião … Vocês chegaram até Jesus …” (Hebreus 10.19, 22 e 12.18, 22, 24)

Depois daquela pescaria, o seu Carlos veio ao culto da Sexta-Feira Santa, mas sem medo de perder os outros dedos. Veio também no Domingo da Páscoa e nos outros cultos, feliz da vida.

Autor: Pr. Marcos Schmidt (marsch@terra.com.br)

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