Uma nova igreja evangélica surge a cada semana no Rio de Janeiro

O ritmo acelerado de crescimento do número de igrejas que chama a atenção dos cariocas agora se comprova por números oficiais. Nada menos que um templo surgiu no Rio a cada semana, de janeiro de 2000 a julho de 2002. Estudo feito pelo Observatório de Conjuntura Urbana da Secretaria municipal de Urbanismo mostra que, nesse período de um ano e meio, ou 31 meses, a prefeitura concedeu 124 licenças a ordens religiosas para que fossem construídas, legalizadas ou instaladas igrejas em imóveis anteriormente com outro uso.

“Nenhum outro equipamento urbano, à exceção das escolas, é reproduzido na mesma intensidade”, afirma a coordenadora do trabalho, Rose Compans, em seu relatório. Um crescimento avassalador, segundo a técnica. O levantamento mostra que 55 dos novos templos licenciados são evangélicos, sendo 15 batistas, nove da Assembléia de Deus e seis da Igreja Universal do Reino de Deus.

De outras 38 igrejas licenciadas não foi identificada a origem religiosa. Algumas têm nomes curiosos, como a Sociedade Distribuidora da Verdade e a Sociedade Missionária Palavra da Verdade. Foram aprovados ainda 14 pedidos feitos pela Igreja Católica, quantidade quase igual à dos licenciamentos de templos espíritas (12). Também foram autorizados três templos budistas e dois mórmons.

Garden Hall, na Barra, é usado como templo

A expansão dos templos se acentua no subúrbio e na Zona Oeste, especialmente em bairros localizados nas regiões administrativas de Campo Grande, do Méier e de Madureira. Mas áreas nobres da cidade não permanecem incólumes. Há dois meses, por exemplo, o teatro Garden Hall, na Barra da Tijuca, foi alugado pelo pastor Washington de Souza, que transformou o lugar no mais novo templo de sua igreja, o Centro Evangelístico Unido (CEU):

– O movimento cresce e temos que procurar espaços maiores – afirma ele.

Washington faz mea-culpa. Segundo o pastor, está virando moda abrir igrejas.

– É um risco grande. Há casos de igrejas que não têm compromisso com o evangelho. Houve época em que as pessoas tinham um analista, depois passaram a ter um guia espiritual. Hoje, procuram as igrejas – alega Washington.

No Méier, a secretária-geral da associação de moradores, Leila Garrido, não esconde o espanto ao caminhar pelas ruas:

– Passo por um lugar e vejo uma casa ou um cinema. Duas ou três semanas depois, o lugar já está virando igreja – conta Leila.

Foi o caso, lembra a líder comunitária, de um cinema que funcionava na Avenida Amaro Cavalcanti. Uma placa indica que, em breve, ali surgirá a Igreja União com Cristo.

No vizinho bairro do Cachambi, o presidente da associação de moradores, Amaury Moreira da Silva Filho, conta que, de cada três ruas, uma tem igreja. A mais problemática, segundo ele, é a sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus, apelidada de Maracanã do Bispo, na Avenida Dom Hélder Câmara (antiga Suburbana):

– Aos domingos, os ônibus param sobre as calçadas e em fila dupla e não são multados – reclama Amaury.

Ele diz que não é contrário à proliferação de templos religiosos, desde que tenham estacionamento e proteção acústica:

– As igrejas funcionam de segunda a segunda-feira, sem contar com paredes à prova de som – diz ele.

O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, garante que o número de reclamações contra barulho provocado por templos tem diminuído. Ele disse acreditar que, com a transformação em lei do projeto regulamentando o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), a relação entre igrejas e vizinhos seja harmonizada.

– Só são contra o RIV os pastores políticos, que querem alarmar desnecessariamente a sua comunidade de fiéis – afirma Sirkis, em resposta a uma reportagem publicada pelo jornal da Igreja Universal, que afirma que o RIV visaria a impor limites à criação de templos, mas poderia facilitar a proliferação de boates.

Legislação facilita a proliferação de igrejas

A proliferação dos templos é facilitada pela legislação. A Constituição federal destaca que os templos estão isentos de pagamento de impostos. Em seu estudo, Rose Compans lembra ainda que, no âmbito municipal, as ordens religiosas têm isenção de tributos, como IPTU e ISS (para legalização de obras ou transformação de uso de imóveis), e de taxa para licenciar obras.

Entre os benefícios concedidos pelo estado, Rose cita a isenção de ICMS e IPVA. Tramitam ainda na Assembléia Legislativa projetos isentando os templos de taxa de incêndio (do deputado José Divino, do PMDB) e estabelecendo a alíquota mínima de energia elétrica para as igrejas (do deputado Eraldo Macedo, também PMDB). O vereador Edimilson Dias (PT), da bancada evangélica, é favorável à expansão das igrejas, desde que dentro da legalidade:

– Diante da ineficácia do poder público em atender o que é direito do cidadão, as igrejas fazem um grande trabalho social – argumenta.

Já para o filósofo evangélico Eduardo Rosa Pedreira, há um fenômeno de comunicação que explica a proliferação das igrejas:

– Elas mantêm um diálogo com a sociedade, que tem necessidades emocionais e espirituais as mais diversas. A grande crise que a Igreja Católica viveu foi a questão da comunicação, da liturgia: missas em latim, distanciamento do discurso com os anseios e as necessidades populares. As igrejas evangélicas encontraram maneiras de se comunicar.

Reitor do Seminário Teológico Batista no Rio, Israel Belo de Azevedo alega que o fenômeno da multiplicação de templos pode ser explicado pelo interesse das pessoas na solução de problemas como doenças, desemprego, depressão e drogas. O pastor observa que há igrejas constituídas que querem ampliar suas áreas de atuação. Mas ele condena o crescimento sem critérios.

– Há aqueles que têm algum domínio do discurso religioso e teimam em abrir suas próprias igrejas, seja por discordância em relação a alguma questão bíblica ou teológica, seja por desavença política.

Autor: Jornal “O Globo”

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